CONSELHOS DE UMA LAGARTA

LEWIS CARROL, (ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS)

ADAPTAÇÃO DE ANA MARIA MACHADO

A LAGARTA E ALICE E OLHARAM EM SILÊNCIO DURANTE ALGUM TEMPO. FINALMENTE, A LAGARTA TIROU O CACHIMBO DA BOCA E SE DIRIGIU À MENINA, NUMA VOZ LÂNGUIDA E SONOLENTA:

- QUEM É VOCÊ?

NÃO ERA EXATAMENTE UM INÍCIO DE CONVERSA DOS MAIS ANIMADORES. ALICE RESPONDEU MEIO ENCABULADA:

- A SENHORA ME DESCULPE, MAS NO MOMENTO EU NÃO TENHO MUITA CERTEZA. QUER DIZER, EU SEI QUEM EU ERA QUANDO ACORDEI HOJE DE MANHÃ, MAS JÁ MUDEI UMA PORÇÃO DE VEZES DESDE QUE ISSO ACONTECEU.

- O QUE QUER DIZER COM ISSO? - PERGUNTOU A LAGARTA, SEVERA. - EXPLIQUE-SE.

- RECEIO QUE NÃO DE PARA ME EXPLICAR, DONA LAGARTA, PORQUE É JUSTAMENTE AÍ QUE E ESTÁ O PROBLEMA. POSSO EXPLICAR UMA PORÇÃO DE COISAS. MAS NÃO POSSO EXPLICAR A MIM MESMA. PORQUE NÃO ESTOU SENDO EU MESMA, ENTENDE?

- NÃO ENTENDO COISA NENHUMA - DISSE A LAGARTA.

- ACHO QUE NÃO CONSIGO SER MAIS CLARA - RESPONDEU ALICE, MUITO BEM EDUCADA - PORQUE, PARA COMEÇAR, EU MESMA NÃO ESTOU ENTENDENDO. E, ALÉM DISSO, CONFUNDE MUITO A GEME E SE NEGÓCIO DE TER DIFERENTES TAMANHOS NO MESMO DIA.

- NÃO CONFUNDE NADA - DISSE A LAGARTA.

- BOM TALVEZ A SENHORA AINDA NÃO TENHA PASSADO POR ISSO E NÃO TENHA DESCOBERTO. MAS QUANDO SE TRANSFORMAR NUMA CRISÁLIDA - PORQUE ISSO VAI ACONTECER UM DIA, SABE? - E, DEPOIS DISSO, NUMA BORBOLETA, ACHO QUE VAI SE SENTIR MEIO ESQUISITA, NÃO VAI?

- NEM UM POUQUINHO - DISSE A LAGARTA.

- PODE SER QUE SEUS SENTIMENTOS SEJAM DIFERENTES DISSE ALICE. - MAS EU TENHO CERTEZA DE QUE SERIA ESQUISITÍSSIMO PARA MIM.

- PARA VOCÊ? VOCÊ?! - DISSE A LAGARTA, NO MAIOR DESPREZO. - MAS QUEM É VOCÊ?

OU SEJA, VOLTAVAM EXATAMENTE AO COMEÇO DA CONVERSA.

ALICE ESTAVA UM POUCO IRRITADA COM AS COISAS TÃO CURTINHAS QUE A LAGARTA DIZIA, E MUDOU DE ATITUDE. EMPERTIGOU-SE RODA E DISSE MUITO SÉRIA:

- EU ACHO QUE VOCÊ É QUE DEVIA ME DIZER PRIMEIRO QUEM É VOCÊ.

- E POR QUÊ?

    ERA OUTRA PERGUNTA DIFÍCIL DE RESPONDER, E COMO ALICE NÃO CONSEGUIA PENSAR EM NENHUMA BOA RAZÃO, E A LAGARTA PARECIA ESTAR MESMO NUM ESTADO DE ESPÍRITO MUITO ANTIPÁTICO, A MENINA DEU AS COSTAS E FOI SAINDO.

- VOLTE! - CHAMOU A LAGARTA. - TENHO UMA COISA IMPORTANTE PARA LHE DIZER!

ISSO JÁ ERA BEM MAIS PROMISSOR, EM DÚVIDA. ALICE DEU MEIA VOLTA E CHEGOU PERTO.

- FIQUE CALMA - DISSE A LAGARTA.

- SÓ ISSO? - DISSE ALICE, ENGOLINDO A RAIVA O MELHOR QUE PODIA.

- NÃO - DISSE A LAGARTA.

ALICE PENSOU QUE PODIA MUITO BEM ESPERAR, JÁ QUE NÃO TINHA MESMO MAIS NADA PARA FAZER. TALVEZ ATÉ, NO FIM DAS CONTAS A LAGARTA LHE DISSESSE ALGUMA COISA QUE VALESSE A PENA OUVIR.

DURANTE ALGUNS MINUTOS, A LAGARTA SÓ FICOU DANDO UMAS BAFORADAS DE FUMAÇA, SEM FALAR NADA. FINALMENTE, DESCRUZOU OS BRAÇOS, TIROU O CACHIMBO DA BOCA DE NOVO E DISSE:

- ENTÃO, QUER DIZER QUE VOCÊ ACHA QUE MUDOU?

- RECEIO QUE SIM - DISSE ALICE. EDUCADINHA OUTRA VEZ.

- NÃO CONSIGO ME LEMBRAR DAS COISAS, COMO SEMPRE LEMBREI. E NÃO FICO DEZ MINUTOS COM O MESMO TAMANHO.

- NÃO CONSEGUE LEMBRAR DE QUE COISAS?

- TENTEI ME LEMBRAR DE "COMO PODE UM PEIXE VIVO", POR EXEMPLO, MAS FICAVA SAINDO TUDO DIFERENTE - RESPONDEU ALICE, NUMA VOZ TRISTONHA.

- RECITE "A CASA', QUE TODO MUNDO SABE - ORDENOU A LAGARTA. ALICE SEGUROU AS MÃOS E COMEÇOU:

"ERA UMA ESCOLA

MUITO ENGRAÇADA,

NÃO TINHA LIVRO,

NÃO TINHA NADA.

NINGUÉM PODIA

ESTUDAR LIÇÃO,

PORQUE O LÁPIS

CAÍA DA MÃO.

NINGUÉM PODIA

APRENDER BESTEIRA

PORQUE NA SALA

NÃO TINHA CARTEIRA.

NINGUÉM PODIA

NEM DESENHAR

PORQUE PAPEL

NÃO TINHA LÁ.

NINGUÉM PODIA

FAZER DEVER

PORQUE A ESCOLA

IA TREMER.

NINGUÉM PODIA

ESCREVER COM GIZ

PORQUE ENTRAVA

PÓ NO NARIZ.

MAS ERA FEITA

COM BOM CAPRICHO

NA RUA DO GATO,

PAÍS DO BICHO".

- ESTÁ TUDO ERRADO - DISSE A LAGARTA.

- TUDO, NÃO - CORRIGIU ALICE, TIMIDAMENTE. - MAS ACHO QUE UMAS PALAVRAS SE ALTERARAM UM POUCO.

- ESTÁ ERRADO DO PRINCÍPIO AO FIM - AFIRMOU A LAGARTA DECIDIDA.

E DURANTE ALGUNS MINUTOS; FICARAM EM SILÊNCIO. QUEM FALOU PRIMEIRO FOI À LAGARTA, PARA PERGUNTAR:

- DE QUE TAMANHO VOCÊ QUER SER?

- NÃO FAÇO MUITA QUESTÃO - RESPONDEU LOGO ALICE. - SÓ NÃO QUERIA É FICAR TROCANDO TODA HORA, A SENHORA SABE COMO É... - NÃO SEI DE NADA - DISSE A LAGARTA.

ALICE RESOLVEU NÃO RESPONDER. EM TODA SUA VIDA, NUNCA TINHA ENCONTRADO ALGUÉM QUE FICASSE ASSIM, CONTRADIZENDO TUDO O QUE ELA DIZIA. E SENTIA QUE ESTAVA COMEÇANDO A PERDER A PACIÊNCIA.

- ESTÁ SATISFEITA AGORA? - PERGUNTOU A LAGARTA.

- BOM, GOSTARIA DE SER UM POUQUINHO MAIOR. SE FOSSE POSSÍVEL. SETE CENTÍMETROS É UMA ALTURA RIDÍCULA.

- POIS EU ACHO MUITO BOA! - ZANGOU-SE A LAGARTA, SE LEVANTANDO TODA (E TINHA EXATAMENTE SETE CENTÍMETROS).

- MAS EU NÃO ESTOU ACOSTUMADA! - INSISTIU ALICE, QUASE IMPLORANDO.

E PENSOU CONSIGO MESMA: "GOSTARIA QUE AS CRIATURAS NÃO E OFENDESSEM À TOA...

- COM O TEMPO VOCÊ ACOSTUMA - DISSE A LAGARTA, PONDO O CACHIMBO NA BOCA E RECOMEÇANDO A FUMAR.

DESSA VEZ, ALICE ESPEROU COM PACIÊNCIA. ATÉ QUE ELA RESOLVE-SE FALAR DE NOVO. DAÍ A UNS MINUTOS A LAGARTA TIROU O CACHIMBO DA BOCA, BOCEJOU URNA OU DUAS VEZES E SE ESPREGUIÇOU. DEPOIS DESCEU DO COGUMELO E SAIU SE ARRASTANDO PELA GRAMA, APENA DIZENDO ENQUANTO SE AFASTAVA:

- UM LADO VAI FAZER VOCÊ CRESCER, O OUTRO LADO FAZ DIMINUIR.

-UM LADO DE QUÊ? O OUTRO LADO DE QUÊ? -ALICE FICOU PENSANDO.

- DO COGUMELO - DISSE A LAGARTA, COMO SE A PERGUNTA TIVESSE SIDO FEITA EM VOZ ALTA.

E DAÍ A POUCO, A LAGARTA SUMIU DA VISTA.

CARROL, LEWIS. Alice No País Das Maravilhas / Texto Integral. Editora Ática, São Paulo – SP. 1999. 2ª Edição. Tradução e Adaptação de Ana Maria Machado.